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Medicina e Economia, ciências
antagônicas? Parte 3
“A economia compreende todas as atividades do país, mas nenhuma atividade
do país compreende a economia” Millor Fernandes
“A vida é um edifício misterioso que levantamos com as nossas próprias
mãos e que deverá nos servir de moradia” Victor Hugo
Invertendo a lógica de um artigo, vou começar este pelo fim: Na verdade,
economia e medicina não serão ciências antagônicas se conseguirmos
estabelecer um preço para a vida humana. Quanto ela vale para o indivíduo,
para sua família e para a sociedade. Para nós médicos brasileiros, a vida
humana não tem preço, devemos mantê-la acima de tudo até não termos mais
meios de evitar a morte. É isto que aprendemos na faculdade, é isto que
consta de nosso Código de Ética Médica, e é isto que entende a justiça
brasileira. Vejam que esta não é uma definição universal em todos os países.
Na maioria, o médico é contratado dentro de padrões bem delimitados em
relação à sua autonomia para decidir sobre o tratamento e sobre seu custo ou
continuidade. Nos EUA, por exemplo, se você compra um seguro saúde barato e
limitado, não pode pleitear na justiça a cobertura total e irrestrita. A
mesma coisa em relação ao estado. Se não tem, não é previsto, não adianta
reclamar. A justiça não pode obrigar o estado a fornecer assistência médica
se isto não for claramente disposto em lei e, na maioria dos países, não é.
Mas no Brasil, após a Constituição de 1988, é! É direito do cidadão, dever
do estado. Não há país do mundo que tenha esta definição tão clara, tão
democrática. Mas, como muitos dos artigos da Constituição, é vazio em
relação a responsabilidades e a fontes de custeio. Até hoje discute-se no
Congresso quem deve pagar esta conta. Saúde não vence eleições e, digam os
administradores públicos e privados, é um sorvedouro enorme e crescente de
recursos. A saúde suplementar, ao inverso lógico da relação custo benefício,
também responsabiliza as operadoras por dar cada vez mais coberturas sem o
devido reajuste nos preços. E mesmo que seja reajustado, quem poderá pagar
um plano de saúde de cobertura ilimitada. Culpar a quem então se a medicina
não consegue resolver tudo? Aos médicos, claro!
Qual o limite da saúde que é direito de todos? Com o aumento da expectativa
de vida, as doenças do futuro serão tumores, distúrbios circulatórios
graves, demência. A pesquisa e tratamento destas enfermidades é extremamente
cara. Como os recursos são finitos, haverá uma hora em que será necessário
dizer. O que é saúde e o que é longevidade. Para os economistas é um sinal
de alerta. Nos EUA os gastos com saúde já são 15% do PIB e crescem 15% ao
ano (e não são honorários médicos que crescem) Não sabendo o que fazer, os
economistas resolvem tentar diminuir os custos, restringindo a atuação dos
médicos, mas isto piora ainda mais a situação. O avanço da medicina faz com
que cada um de nós ao atingir idades avançadas tenha pelo menos uma doença
séria. Doenças sérias custam muito caro. Em países onde a cidadania é mais
aguçada se pergunta claramente: é justo tentar tratar um câncer que se sabe
incurável gastando-se quantias enormes de dinheiro que poderiam salvar
milhares de vidas em atenção primária à saúde? É justo trocar um por
milhares? Isto explica a recente decisão sobre mamografia nos EUA. Lá,
sabe-se o custo da mamografia. Aqui, sabe-se? O maior problema do governo
Obama não é a Al-Quaeda, mas os gastos com a saúde dos americanos.
E no Brasil? Como dissemos acima a definição de direito de todos e dever do
estado é abrangente demais e gera discrepâncias extremamente injustas.
Municípios estão sendo levados à bancarrota por liminares que garantem
tratamentos caríssimos para doenças raras, medicamentos que não são
distribuídos pelo estado em nenhum país do mundo. Como os recursos são
finitos, o gasto com o individual acaba por comprometer o coletivo. Planos
de saúde têm o mesmo problema. Novamente não se tenta resolver com
definições, mas com restrição ao trabalho médico. E mais, sob
responsabilidade do médico e esta é a grande ignomínia. Sem definições sobre
o que é saúde, a ANS aumenta os direitos dos segurados mas limita os
aumentos dos planos e ignora solenemente o médico. Hospitais, máquinas,
medicamentos, todos custam cada vez mais. Somente os médicos é que tem seus
ganhos vergonhosamente congelados, ganhando menos que os servidores do sexo,
conforme demonstrado na primeira parte desta série. Vejam o exemplo que vou
dar: A segurança individual também é direito do cidadão e dever do estado.
Mas se há um crime, não se responsabiliza individualmente o agente policial,
apesar de ele ser pago para garantir a segurança. Porque o médico responde
sozinho pela ineficiência do estado e dos planos de saúde? Porque com o
custo crescente da medicina, o médico paga a conta?
Esta é uma discussão que tem de ser feita pela sociedade como um todo e não
só por nós médicos. A nós cabe salvar vidas, e aos economistas, políticos,
juristas?
Dr. Sérgio dos Passos Ramos, vice-presidente da APM São José dos Campos |
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atualizado em 04-fevereiro-2016