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09/03/2021

A pandemia pelo olhar dos médicos

O combate incansável à Covid-19 completou um ano sem sinal de trégua.

Pelo contrário, o que se vê é o recrudescimento da pandemia no país. Os profissionais que batalham diariamente na linha de frente estão exaustos física e mentalmente, diante da tragédia que parece não ter fim.

Diariamente, eles convivem com a alegria das vidas salvas (e são muitas) e a dor pelas mortes, sobretudo aquelas que, sabem, poderiam ter sido evitadas, se houvesse mais consciência, mais empatia, mais amor ao próximo.

Leia a seguir depoimentos de colegas de diversas especialidades, nem todos atuando diretamente com pacientes Covid-19, mas que compartilharam suas reflexões, experiências, aprendizados, medos e preocupações.

David Alves de Souza Lima, psiquiatra e vice-presidente da APM SJCampos – “As pessoas estão mais ansiosas e os quadros de insônia parecem ter aumentado. O isolamento, principalmente para os mais idosos, tem gerado aumento dos sintomas depressivos. O sofrimento tem sido grande para essa faixa etária, principalmente. Mudanças no estilo de vida, como o trabalho em casa e aulas remotas modificaram a dinâmica familiar. Adaptações nas regras da casa e no convívio entre as pessoas têm sido um desafio importante.”

Fabio Baptista, cardiologista e diretor de Esportes da APM SJCampos – “Hoje enfrentamos o maior desafio sanitário das nossas gerações. Mas como fizemos no passado, apesar de ser uma situação nova, enfrentamos e respondemos à altura do chamado. Gostaria de compartilhar com vocês uma experiência interessante. Apesar de toda a tecnologia e todo o suporte que nós temos, quando o indivíduo é internado em um ambiente isolado como o de uma ala Covid, da qual participo diariamente, todo o apoio, a família, naquele momento, somos nós, médicos e demais profissionais da área da saúde. Esse talvez seja o grande aprendizado que eu tive neste período. Nós temos que, mais do que todo o apoio, manter o nosso tratamento humano. É isso o que faz com que o nosso paciente se recupere. Esta é a mensagem que quero deixar para vocês e que eu gostaria muito que fosse replicada e que fosse implementada nas nossas alas, terapias intensivas e todos os ambientes onde esses pacientes têm sido tratados.”

Francir Veneziani Silva, reumatologista e delegado regional da APM SJCampos – “Eu parei de atender, com a perspectiva de que fosse por um período curto. Porém, quando passou um mês, dois, vimos que a coisa ia se estender por um tempo maior. Nesse período, os pacientes começaram a ter dúvidas e a precisar de orientações. Eles precisam ser reavaliados e acompanhados, tanto no consultório quanto na empresa onde trabalham. Então, no começo, passei a atender parcialmente, uma vez por semana e depois gradativamente fui aumentando. No final do ano já tinha voltado a atender normalmente. Eu diria que a pandemia, depois de um ano, nos trouxe a maior valorização da vida. Também se valorizou e expandiu o conceito e a importância da prevenção. O quanto é importante não esperar as coisas acontecerem e sim estar preparado para conseguir enfrentar da melhor forma possível. O conceito de família foi muito importante. Muitos casamentos se fortaleceram, outros se desfizeram na convivência obrigatória do dia a dia, nesse período de confinamento, de isolamento e de ser obrigado a viver dentro do ambiente familiar. O conceito de emprego vai mudar muito daqui para a frente, principalmente com referência às futuras profissões. Isso já existia ao longo do tempo, muitas profissões vão deixando de existir com a evolução dos tempos e da tecnologia, porém agora tivemos um grande choque. É triste pensar nos jovens que estão na idade de vestibular, de enfrentar um início de vida profissional, qual será o futuro daquilo que eles estão procurando hoje frente a tudo isso. Muitas profissões talvez sofram grandes mudanças e com isso os conceitos talvez sejam bastante diferentes do que eram até ontem.”

João Manoel Theotonio dos Santos, cardiologista e diretor Científico da APM SJCampos – “Minha vida pessoal mudou bastante. O isolamento social necessário, a preocupação com os meus entes queridos, o afastamento completo que tive que ter da minha mãe, que está com 87 anos, neste período de pandemia. Também perdi amigos que conheci profissionalmente, pacientes, pessoas idosas que foram acometidas por Covid-19 e faleceram. Foram seis amigos, amigas do meu consultório. Isso foi muito, muito doloroso. Graças a Deus, não houve nenhuma perda familiar. Já minha atividade profissional não mudou muito Como professor e coordenador dos programas de residência médica da Universidade Anhembi Morumbi, desenvolvi minhas atividades todas em home office, de forma até mais produtiva do que no dia a dia que temos no Campus. Foi uma experiência muito boa. Quanto à atividade no consultório, paramos somente na primeira semana da quarentena. Nesse período, aproveitei para tomar todas as medidas de segurança para os pacientes, funcionários e médicos que trabalham na clínica, eu inclusive. A partir da segunda semana de quarentena, voltamos a trabalhar e não paramos mais. Houve uma queda enorme na procura por atendimento médico, que foi voltando ao normal a partir de junho. Hoje estamos praticamente normalizados. Minha atividade no hospital, como coordenador de residência médica do Policlin, também fiz à distância. Dei aulas, conversei com os residentes por web meeting. Foi um ano em que nós conseguimos manter bem a residência médica, embora do ponto de vista prático para os residentes, eles tenham atendido praticamente só Covid. Fizeram alguns rodízios, mas a maior parte foi Covid. Os rodízios foram em ambulatórios, também passaram visitas em enfermarias não-Covid. Mas a maior parte do tempo era pronto-socorro Covid. Tive muito medo de contrair a doença. Tenho ainda. Apesar de já ter tomado a segunda dose da vacina, ainda faltam algumas semanas para, teoricamente, estar imunizado. Aí sim, acho que vou ter menos medo. Mas eu tenho muito medo, por tudo o que estamos vendo, não só do momento da doença, mas das sequelas que ela tem deixado. Tenho visto sequelas terríveis, mesmo em pacientes que não ficaram hospitalizados. Minha relação com os pacientes foi a melhor possível. Muitos dos que deixaram de ir ao consultório fizeram contato comigo por WhatsApp e eu respondi e orientei. Não fiz teleconsulta, não cobrei. Não trouxe nenhum ônus para os pacientes. Eu não estava preparado para fazer a teleconsulta. Tenho necessidade de examinar o paciente. Não consigo fazer uma consulta em que eu me sinta confortável em cobrar, sem examinar o paciente. Cardiologia é uma especialidade que não permite isso. Você tem que examinar, na minha opinião. Mas dei toda a assistência a eles, e quando sentia que a situação era mais séria, que eu não iria conseguir resolver, encaminhava-os para o hospital. Ligava dando o nome do paciente para um determinado médico e esse médico recebia o paciente com toda a segurança. Não tive nenhum caso contaminação de paciente que foi ao hospital por indicação minha. Todos estão bem, graças a Deus. O feedback que recebi dos pacientes foi muito bom. Mesmo em relação àqueles que faleceram, tive oportunidade de manter contato diário com os familiares e com o hospital onde estavam internados. Soube da morte antes do hospital comunicar ao familiar. Tive a oportunidade de conversar e preparar, dentro do possível. Como não tenho uma agenda de convênio, tenho poucos pacientes. Então, dá para manter uma relação muito próxima, de amigo e de amizade, com os familiares também. Então, o feedback que eu recebi, mesmo diante de um sofrimento tão grande, foi bom. Daqueles que eu acompanho no consultório, também o feedback foi o melhor possível. Além da queixa principal deles, iam tirar dúvidas em relação ao que viam na mídia. Fui orientando dentro do que acredito que é fazer uma medicina baseada em evidência científica. Eu não digo ‘a minha opinião é essa’, eu digo, ‘olha eu sigo a medicina baseada em evidências e a evidência científica é essa’. Mostro o que há de evidência. Abro artigos científicos, aulas que assisti e guardei. Eu trabalho dessa forma, então não foi muito difícil orientar os pacientes. Em relação ao meu aprendizado como cidadão e profissional de saúde. Como cidadão, não sei se pelo medo que já mencionei, tive um comportamento que considero exemplar diante desse problema. Tomei todos os cuidados possíveis. As pessoas próximas dizem que sou exagerado nos cuidados. Procurei, como cidadão, dar a maior assistência possível às pessoas que me procuraram, por exemplo, os familiares dos pacientes. Esse período de isolamento e de estar cercado por tanto sofrimento nos faz repensar um pouco a nossa vida e ver que muitas vezes priorizamos coisas que não são tão importantes. Nesse momento em que nós tivemos que priorizar a vida, acabamos abrindo mão de muitas coisas que fazíamos antes. Foi um grande aprendizado. Outro dia, uma paciente me disse: Daqui pra frente, Dr., toda vez que eu tiver uma gripe, mesmo um resfriado simples, vou usar máscara para não contaminar os outros. Eu acho que é isso. Acho que o que ela disse resume o que eu aprendi, além de todos os outros cuidados que passaram a fazer parte do nosso dia a dia e que, acredito, permanecerão. Como profissional de saúde, o aprendizado foi, enquanto médico, procurar fazer a melhor medicina. A melhor medicina possível, baseada em evidência científica, ter calma, saber passar essa calma para as pessoas, esperar a ciência dar as suas respostas. As respostas chegaram, estão chegando. Estamos com a vacina. Até o final do ano teremos todos os brasileiros vacinados. Provavelmente quase todo o mundo vacinado, certamente. E acabou a pandemia. Talvez tenhamos mais uma onda. Conversamos com infectologistas da USP, devemos ter mais uma onda, mas aí já deve ser uma marola para acabar. Posso dizer que esse um ano de pandemia mudou a vida de todo cidadão consciente no mundo, com certeza. Se nós soubermos aproveitar essa oportunidade, não olhar só como tragédia, vamos fazer um mundo melhor. É isso o que espero, é isso em que acredito.”

Nathalia Caterina, médica do trabalho e diretora de Comunicação da APM SJCampos – “Os médicos do trabalho naturalmente assumiram um papel fundamental na pandemia, implantando medidas de prevenção nas empresas em funcionamento e realizando o manejo dos casos, da suspeita até o pós-Covid. A pandemia acelerou algumas pautas importantes e temas relevantes, como a saúde integral do indivíduo. Agora, mais do que nunca, a saúde ocupacional deve estar comprometida com a biossegurança e a saúde física e mental dos colaboradores.”

Odeilton Tadeu Soares, coordenador da Enfermaria de Ansiedade e Depressão do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor Científico da APM SJCampos – “Proteger os pacientes: como? A dúvida era imensa. Qual a repercussão desse “novo” coronavírus em pacientes internados? A resposta vinha da China. Hospital Psiquiátrico tinha sido acometido por um grande surto, com mais de 80 infectados. A preocupação era imensa, tanto com os pacientes (muitos idosos e com comorbidades), tanto com funcionários, muitos também pertencentes ao grupo de risco. A solução foi separar os novos pacientes internados em enfermarias de observação, onde permaneceriam por 10 dias. Passado um ano, estamos felizes com os resultados, com nossos pacientes internados protegidos, evitando que ocorresse o que aconteceu em muitos asilos de idosos e hospitais psiquiátricos pelo mundo. Conseguimos com certeza evitar várias mortes.”

Othon Mercadante Becker, pediatra e presidente da APM SJCampos – “A sensação que experimentei no início da pandemia foi de total impotência frente a uma doença potencialmente incapacitante, com previsão de um alto índice de mortalidade para os grupos de risco, entre os quais me incluo. A vida profissional teve uma interrupção no atendimento em consultório por quase 4 meses, levando a inevitáveis prejuízos (financeiros e emocionais), tentando prestar alguma ajuda “à distância”, intermediado pela secretária, que continuou indo ao consultório (com portas fechadas) nesse período. Com isso, o relacionamento com os pacientes continuou com dificuldades, com orientações na medida do possível. O medo de contrair a doença foi grande, mas menor do que a vontade de voltar ao trabalho e ajudar as pessoas dentro das possibilidades existentes. O grande aprendizado como cidadão é o de que estávamos muito pouco preparados para enfrentar uma situação desse tipo, e como médico pediatra, fica o sonho de que pelo menos as crianças adquiram uma cultura de solidariedade e amor ao próximo, por toda a vida.”

Pedro Luiz de Brito, cirurgião geral e pediátrico e secretário da APM SJCampos – “Após um ano dessa pandemia, não estamos muito distantes das preocupações iniciais. Ainda não temos certeza sobre o que poderá ocorrer nas próximas semanas, mesmo com o início da vacinação. Como cirurgião pediátrico, não estive na linha de frente do atendimento dos pacientes com Covid-19, uma vez que a incidência de infecção sintomática em crianças é pequena. Mesmo assim, acompanhei uma série de mudanças às quais tivemos que nos adaptar, entre elas: a suspensão das cirurgias eletivas e a preocupação dos pais com a possibilidade de virem a perder seus empregos e, por conseguinte, o atendimento pelo convênio; a demora na procura por atendimento médico por parte dos pais que estavam preocupados em expor seus filhos a um risco de contaminação, o que fez aumentar a incidência de casos complicados; a mudança na avaliação e tratamento das crianças com dores abdominais, uma vez que infecção por Covid-19 nessa faixa etária pode se manifestar com essa sintomatologia, e os quadros inflamatórios sistêmicos graves pós-Covid. Como disse no início, ainda existem muitas dúvidas, mas tenho certeza de que continuaremos nos adaptando e fazendo o melhor possível por nossos pacientes e por nós mesmos.”

Roberto Schoueri Jr., geriatra e diretor Cultural da APM SJCampos – “Vejo as doenças infecciosas como forças da natureza com as quais sempre convivemos, assim como as tempestades, as secas etc. Algumas, vencemos. Outras, sabendo que não podemos evitar, aprendemos a lidar, driblar, minimizar seus efeitos e superar as crises até virem as próximas, que vão nos pegar mais preparados. A Covid-19 deixou-nos, os médicos, tontos, tendo que reformular conceitos a cada semana, até aprendermos como ela funciona. Hoje estamos um pouco mais seguros, mas agora tendo que lidar com as variantes do vírus, ou seja, o aprendizado continua. Talvez o maior legado da Covid-19 seja a proeminência que ganhou a saúde pública junto à população, que nem sempre valoriza o SUS como deveria.”

Sérgio dos Passos Ramos, ginecologista e conselheiro da APM SJCampos – “Quando começou a pandemia, eu parei. Exerço a Medicina atualmente por escolha. Não dependo do consultório financeiramente. Me afastei, mudei de cidade e tentei viver sem ser médico. Para não abandonar minhas pacientes, criei mecanismos para continuar orientando-as. Mas, não consegui. A vocação falou mais forte e eu voltei. Não consegui negar minha profissão. Tenho medo. Muito medo. Me protejo ao máximo. Essa doença é pouco letal, mas mata. E além de matar, destrói pessoas, famílias, economias e nações. Eu não pude deixar de Ser Médico. Voltei porque amo minha profissão e amo minhas pacientes. Enquanto eu puder ser útil, continuarei sendo médico.”

Foto do destaque da página principal do site: Rovena Rosa/Agência Brasil

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