Se
pílulas e exames garantissem Saúde, não haveria doentes...
"Se alguém procura a
saúde, pergunta-lhe primeiro se está disposto a evitar no futuro as causas
da doença; em caso contrário, abstém-te de o ajudar."
Sócrates 470 AC
Em 1999
estive na Universidade de Columbia, participando de uma reunião no Columbia
Presbyterian Medical Center sobre doenças metabólicas. Lá assisti a uma
apresentação da Dra. Ethel Siris, sobre medicamentos, exames e saúde do
americano. Dizia a mestra, se os americanos quiserem gastar uma grande parte
dos seus orçamentos em pílulas de vitaminas e produtos naturais esta é uma
decisão deles. Mas nós, médicos, devemos deixar bem claro que isto não
melhorará a saúde de ninguém.
Esta
lembrança me veio à mente quando comecei a analisar as pacientes que
chegaram ao meu consultório nos últimos meses. Uma das últimas, usuária de
plano de saúde que não atendo, chegou acompanhada de uma grande sacola
plástica carregada de exames, e um saco de grandes potes cheios de pílulas.
Para registrar e não esquecer, fotografei os mesmos com o iPhone. Eram seis
potes do tamanho de uma lata de leite em pó, cheio de cápsulas brancas. A
receita, em computador, indicava tomar 8 cápsulas antes do almoço de apenas
um medicamento. Mas eram seis tipos de medicamentos diferentes, algo como 30
a 40 cápsulas diárias.
Na
sacola de exames, contei mais de cem dosagens de substâncias, enzimas,
hormônios, exames gráficos e de imagem que abrangiam todo o corpo. Disse-me
a paciente: Dr. O senhor é minha última esperança. Veja, eu estou muito
doente. Passei em mais de dez médicos, fiz uma centena de exames, estou
tomando todos estes remédios e ninguém descobre o que tenho.
Fiz-lhe
a pergunta que aprendi na faculdade há mais de 40 anos: O que a senhora
sente? Eu? Sim, a senhora. - Nada!
A
resposta me deixou atônito. Não consegui continuar a anamnese. Seria inútil
perguntar desde quando a senhora sente o nada, como começou, mais alguém da
família tem este nada? Respirei, minha secretária me recomenda que nestas
horas eu faça uma breve oração, fiz. Iniciei um questionário na minha área,
quantos filhos, tipo de parto, menstruação, etc. tudo bem, tudo normal. Fiz
exame físico ginecológico, não pedi papanicolaou porque havia mais de três
nos últimos meses. Nem mamografia, nem ultrassom, nem nada. Aliás, “nada”
não, para não confundir com os sintomas.
Não sei
de quem é a culpa. Mas a medicina que estamos fazendo está caminhando para
obscuros caminhos que não vão melhorar a saúde e o bem estar dos nossos
pacientes. Este exemplo é bem claro. Esta paciente é vítima da medicina.
Isto é iatrogenia pura. Ela não sabe o que tem, mas imagina-se muito doente
tamanho o número de exames e consultas a que se submeteu e remédios que
tomou e toma. Para ela o pior é que os médicos são os culpados, pois não
descobrem o que ela tem.
Um
passeio pela Cochrane mostra como a maioria dos exames hoje solicitados são
absolutamente dispensáveis, e, pior, geram procedimentos médicos
desnecessários, muitos deles com risco real de lesarem os pacientes, já que
indicam procedimentos invasivos. Na minha área, pesquisem mamografia e
ultrassom de mama. Os resultados são estarrecedores.
Má
formação do médico, perigo de ser processado, pagamento ínfimo por
consultas, produção por quantidade, privilégio da técnica em detrimento da
arte, talvez estas sejam as causas por parte da medicina.
Por
outro lado, as pessoas de hoje, ao invés de cultivarem hábitos saudáveis de
vida preferem imaginar que se fizerem centenas de exames e tomarem
medicamentos e produtos naturais gozarão de boa saúde. Colesterol elevado?
Repita em dois meses... Se mudar 10% para mais ou para menos, repita em mais
dois. Dieta? Estatinas? Exercícios? Não! O exame está errado. Mudo de
médico. Mudo de laboratório.
Ethel
Siris está certa nos EUA. Se os americanos quiserem gastar grande parte de
seus orçamentos tomando vitaminas e sais minerais é problema individual.
Mas, exames desnecessários é problema nosso. Dos médicos.
PS. A
paciente, na sala de espera, após a consulta, comentou: “Muito bom este
médico, me ouviu. Mas, ele nem viu todos os meus exames...”
Dr.
Sérgio dos Passos Ramos
Vice-presidente da APM Regional São José dos Campos
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