Afinal, por que o médico ganha tão
mal
A falta de dinheiro é uma dor a que
nenhuma outra se compara.
François Rabelais 1494-1553
Por
que os médicos ganham tão mal? Em que ponto da nossa história que
começamos a entrar neste buraco que parece não ter fim. Vivo me
perguntando isto e neste artigo tentarei mostrar um pouco desta história
triste. Há alguns anos eu jantei com um dos maiores executivos de
administração de planos de saúde no Brasil. Perguntei se ele achava
justo o que sua empresa pagava para os médicos. Sua resposta foi
cristalina! Doutor, a tabela que eu lhe pago não fui eu quem fez. Foi a
sua associação médica! Eu não acho justo, nem trabalharia por esta
tabela, mas este é um problema de vocês médicos e não nosso. Pura
verdade. Triste verdade.
Em 1956 surgiu a primeira medicina de
grupo em São Paulo. Um grupo de médicos se dispunha a atender um grupo
de pacientes por um preço fixo. Em 1967 nasce a primeira cooperativa
médica, a Unimed, em Santos.
Para os médicos em seus consultórios,
entre os pacientes particulares, sempre havia um espaço de tempo que,
poderia ser preenchido pelo paciente de “convênio”. Este paciente
acabava por ajudar no fechamento de contas do consultório. Começava a
morte da medicina liberal e, dizem alguns, da própria medicina
brasileira.
Os médicos da medicina de grupo logo
perceberam que prestar assistência médica é difícil, cansativo e pouco
remunerado. Resolveram “terceirizar” a assistência, contratando médicos
para fazer o que tinham combinado fazer... Claro que ficavam com uma
parte do lucro. Ou com uma grande parte do lucro... Já nas Unimeds
aparecem os “administradores” pagos por preços de mercado pelos
cooperados proprietários que são pagos por preços tabelados. Em cada um
dos sistemas, existe a exploração do trabalho médico, pois entre o
trabalho efetivamente prestado e a remuneração existe um imenso
“sistema” que absorve o lucro que deveria ser somente do médico.
Neste ponto existe a triste história
das tabelas. Para “disciplinar” a guerra entre exploradores e
explorados, a Associação Médica Brasileira inventou as tabelas. E neste
pormenor eu tenho uma parte da culpa, pois, pessoalmente, fiz muitas
greves e manifestos pela implantação das tabelas. Lembro da de 1990, há
18 anos! Assembléias inflamadas, expulsões de médicos da APM, processos
no CRM, manchetes nos jornais.
Mas as tabelas sofrem de um mal
crônico. Vejam a CBHPM. Já tem cinco anos. Mas até hoje não teve nenhum
reajuste. Novamente estamos indo para o buraco negro da tabela de 1990.
Sem reajuste ou mecanismos de reajuste passa a ser mais uma tabela. Foi
considerada a única maneira ética de receber honorários. Até agora
nenhum plano a adotou.
Pergunto-me quantos médicos
dirigentes de planos de saúde ou cooperativa, e todos têm um médico
responsável, foram processados pelos nossos Conselhos e receberam no
mínimo uma pena de censura por pagarem preços vis pelo ato médico.
(Artigos 86 e 92 do nosso código de ética médica) Ou a CBHPM não vale?
Ou o código de ética não vale? Ou a resolução do CFM sobre a CBHPM não
vale? Porque nós médicos não fixamos cada um nossos preços e informamos
aos pacientes e eles negociem com os planos de saúde como receberão de
volta este dinheiro? Porque nós médicos somos a única categoria
profissional no Brasil que tem rendimentos tabelados? E ainda por cima
sem nenhum reajuste?
Mas existe luz no fim do túnel. Isto
já tem sido feito em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro (por
enquanto só anestesistas). E já existem sentenças de primeira instância
reconhecendo o direito do médico de estabelecer com seu cliente o valor
de seus honorários independente do plano de saúde.
Por que então continuamos ganhando
tão mal?
Dr. Sérgio dos Passos Ramos
Diretor de Defesa Profissional
APM Regional SJCampos