Steve Biku, 1946-1977
Há dois anos escrevi um artigo sobre a filosofia da
lombada. Lombada é um castigo imposto a todos porque alguns não obedecem
às regras. A velocidade é 50? A maioria dos motoristas obedece, mas como
alguns não o fazem, os reguladores criam a lombada. Só que a lombada não
é seletiva, é universal, atinge a todos, pune a todos. É muito mais
fácil para os reguladores punir a todos do que individualizar o
infrator.
Quando me formei médico fui ensinado a seguir um roteiro
para o diagnóstico e tratamento da doença. Nunca imaginei que fatores
externos, “reguladores” poderiam interferir tanto na atividade médica.
Vejam que já tentaram substituir os médicos por sistema automatizados de
diagnósticos e nunca conseguiram. Médicos são ciência, arte,
experiência, sensibilidade, dedicação. Máquinas não conseguem ser
médicos.
Filosofias a parte, vamos ao real. Vamos imaginar uma
paciente senhora X. Doente, com dor, angustiada, com medo, procura um
médico. Vejamos seu relato: Tenho um plano de saúde, uma carteirinha
magnética e ótica, com meu nome: sou poderosa, estou protegida! Primeiro
obstáculo: marcar a consulta, a maioria das secretárias pergunta, qual o
plano antes de marcar a consulta. Mas, consigo marcar a consulta,
aguardo algumas semanas. Será que minha dor vai aguardar? E se eu morrer
neste tempo? Já que é difícil, me antecipo e marco consulta para minhas
duas filhas. Medicina preventiva é melhor que a curativa e estas meninas
estão crescendo rápido. No dia da consulta, eu e minhas filhas, tomamos
banho, colocamos roupa de sair, e vamos lá para a consulta. Lá chegando,
poderosa e orgulhosa do meu cartão diamante azul, verde e amarelo,
apresento-o à secretária. -Um momento, por favor, vou autorizar a sua
consulta. Dou uma olhada na mesa da secretária. Há mais de uma dezena de
cartões de todas as cores e desenhos aguardando “autorização” -Pode
aguardar senhora... Pode sentar, senhora, insiste. Vejo que ela, de
posse de um cartão “pink” está telefonando para uma tal de CURA, ou
seria URA? Digita inúmeros números no telefone. Chama a proprietária do
cartão. -Senhora, sua consulta não foi autorizada. (…) O motivo é FP004.
FP, penso eu, que nome feio. Não quer autorizar, tudo bem, mas chamar de
FP? Menos. Mais um cartão é processado. -Quem é a Sra. Y? Sra, sua rede
é “sportdrive” e o Dr. não atende. -Mas o convênio me disse que atendia,
está no livrinho.. -Lamento senhora, “sportdrive” só é atendida na rede
“triptronic”, por favor ligue para seu plano. - Mas você não poderia ter
me dito isto quando marquei a consulta? - Senhora, a senhora me disse
que tinha o plano NASA, mas não me disse que era “sportdrive”. -Mas eu
não sabia... Não está escrito nada no meu cartão! - Está sim, senhora.
Veja aqui: Atendimento não autorizado em hospitais de primeira linha...
(espaço para nossos comerciais: você colega já teve a curiosidade de ler
as letras minúsculas que estão atrás dos cartões dos planos de saúde?
Esta “pérola” acima é verdadeira. Procure ver.)
Cartão a cartão, chega a vez da nossa senhora X e suas
duas filhas. Impassível a secretária a chama, passa o poderoso cartão
diamante azul, verde e amarelo e pergunta: -A senhora colocou o dedo?.
-Como? - A senhora colocou o dedo? Aproxima-se a senhora X e sussurra
para a secretária: -Eu não sabia que tinha que colocar o dedo! Eu lavei
por fora, mas não coloquei o dedo. -Não minha senhora, tem que colocar o
dedo no leitor! -Ah! Que susto! Então eu coloco! Alegre, chama suas duas
filhas para também colocar o dedo. Erro! Erro? Erro. O leitor trava e
não autoriza nenhuma consulta. Só pode colocar o dedo a cada 15 minutos.
Loucura? Não, verdade. Esperem agosto e verão. Ah, as lombadas. Como é
criativa a atividade de criar lombadas.
Finalmente a senhora X entra na sala de consulta.
-Doutor, estou traumatizada. Posso voltar outra hora? Sei que o senhor
tem de fazer o exame com o dedo, mas não posso mais ouvir falar em dedo.
Lembram o artigo da TISS? Onde eu enfio o carimbo, doutor? Não vou fazer
o mesmo comentário sobre o dedo. Fica mal no Jornal do Médico perguntar
onde enfio o dedo.
Dr. Sérgio dos Passos Ramos, vice-presidente da APM São José dos Campos